segunda-feira, 30 de julho de 2012

Greve nas universidades, por Adão José Peixoto



A greve nas universidades federais e em outros serviços públicos federais é uma consequência das políticas neoliberais adotadas pelo governo federal. Para a teoria neoliberal, não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado.

A estratégia, portanto, é reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a crise. Para essa perspectiva, caberá ao mercado superar as deficiências do Estado, que entrou em crise porque gerou déficit fiscal, gastou mais do que podia para atender às demandas das políticas sociais. Esta crise não ficou restrita ao próprio Estado, mas atingiu também o mercado, pois teve de assumir os custos das políticas sociais através do aumento da carga tributária, além de ter suas atividades reguladas pelo Estado, limitando a livre-iniciativa.


O Estado é visto como ineficiente e improdutivo, e o mercado é que deve ser o novo regulador, não só das atividades produtivas, mas de todas as relações sociais. Como podemos observar, o neoliberalismo propõe o Estado mínimo, com uma participação mínima, inclusive nas políticas sociais, que devem ser entregues para a iniciativa privada.

O papel do Estado deve ser o de avaliador, coordenador e financiador e não mais de executor das políticas sociais. O que é proposto são a retirada do Estado das políticas sociais universais, a ênfase no lucro e a mercantilização da sociedade. A consequência é a ampliação das desigualdades sociais. Os direitos sociais conquistados com muitas lutas dos trabalhadores estão cada vez mais ameaçados. A segregação, a competitividade e a meritocracia passam a ser elementos fundantes do processo de avaliação das políticas sociais adotadas por essa lógica mercantilizada.

Esta orientação que privatizou o Estado, colocando-o a serviço da acumulação capitalista, está presente no governo federal. É possível perceber essa influência no processo de precarização dos serviços públicos em todas as áreas, com a diminuição do número de funcionários, a falta de equipamentos e insumos, instalações físicas inadequadas, arrocho salarial e mudanças nos planos de carreira que desvalorizam e desmotivam os servidores públicos.

Essa política contribui para diminuir a qualidade dos serviços prestados, ampliar o descontentamento da população e justificar a terceirização da gestão, a sua transferência para a iniciativa privada ou para organizações sociais (OSs), denominação que recebem institutos, associações e fundações “sem fins lucrativos” e que fazem parte das Organizações não governamentais (ONGs). Muitas destas são organizações sem fins lucrativos de fachada, pois, como a imprensa tem amplamente divulgado, seus responsáveis se transformaram em megaempresários, criando a figura do empresário- ongueiro.

No que se refere ao ensino superior, o governo ampliou o acesso através da transferência de recursos para as instituições privadas de ensino superior mediante incentivos fiscais, financiamentos, ProUni (que oferece bolsas de estudo integrais ou parciais) e o Fies (financiamento para estudantes), contribuindo para a expansão do ensino privado, cujas matrículas no nível superior já passam dos 80%.

A educação superior passou a ser tratada como bem privado, como negócio, empreendimento lucrativo e não como bem público. A ampliação do número de matriculas nas instituições federais de ensino ocorre, sobretudo, através do Reuni, contudo sem a contrapartida real das condições necessárias para garantir a qualidade do ensino e da pesquisa. É importante ressaltar que mais de 90% da pesquisa produzida no País é fruto das atividades das universidades públicas. A greve nas universidades federais não é motivada apenas pela reposição salarial, mas pela defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, conquista do povo brasileiro que está cada vez mais ameaçada.

Diferentemente da concepção neoliberal, entendemos que a crise que vivenciamos nos serviços públicos não é uma crise do Estado, mas da própria dinâmica do capital, portanto, da sua estrutura, conforme também avaliam pensadores como István Mészàros (Para além do capital, 2002) e David Harvey (Condição pós-moderna, 1989). Lembramos que a partir da década de 1970 houve uma redefinição do papel do Estado e das novas fronteiras entre o público e o privado e suas consequências para as políticas sociais (Cf. Vera Maria Vidal Peroni, Reforma do Estado e a tensão entre público e privado, 2007).

Na verdade, as crises vivenciadas pelo capitalismo fazem parte de sua própria dinâmica, são intrínsecas ao seu processo de acumulação. A crise que se observa agora e as suas principais estratégias de superação por meio do neoliberalismo, globalização e estruturação produtiva, redefinindo o papel do Estado, são mais uma estratégia deste processo de acumulação.

A greve nas universidades federais tem também colocado em debate o processo de acumulação capitalista e o papel do Estado. O Estado é entendido aqui como instituição pública. Como tal, o seu papel não é o de favorecer a acumulação capitalista, mas o de cuidar prioritariamente daquilo que é público, da res pública, da coisa pública, portanto, dos serviços e interesses públicos.
Adão José Peixoto é mestre em filosofia (PUCCAMP), doutor em educação (USP) e professor da Faculdade de Educação da UFG.


FONTE: 

2 comentários:

  1. Ótimo texto. Deveria ser publicado num periódico local para esclarecer a população em geral

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro Fernando, o texto foi publicado ontem no jornal Popular, conforme indica a fonte no final do texto. Foi publicada também ontem uma versão modificada no jornal Opção. Adão Peixoto

      Excluir