quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lições da greve dos professores das universidades federais


Relato da Assembleia dos docentes da  Universidade Federal de Goiás (UFG), realizada no dia 14/08/2012, para decidir rumos da greve dos professores da instituição.


por Franck Tavares

Instantes atrás, encerrou-se uma das maiores assembleias docentes do Brasil contemporâneo, prestigiada por quase 700 pessoas. Ali, de um lado estavam o Governo, a Andifes e um sindicato que se comunica com suas bases por intermédio das chefias, descumpre acordos subscritos por sua presidente e se filia a uma federação cartorial, composta por agentes de partidos governistas, cuja principal figura pública recebe recursos do Governo Federal para redigir pretensos estudos e relatórios que desfavorecem a categoria em nome da qual insiste, ilegitimamente, em falar. De outro lado, docentes que esperam por negociar condições dignas e razoáveis de trabalho, como critérios claros de promoção e respeito ao mandamento constitucional da autonomia universitária.



A primeira votação concentrou-se sobre uma questão procedimental de ímpar relevância. Ocorre que os representantes do Governo, sindicato e demais setores autoritários propuseram que não deveriam ocorrer exposições ou interlocuções sobre os rumos do movimento grevista e as propostas em discussão. Entendiam que, sem qualquer processo discursivo prévio, dever-se-ia efetivar uma sumária votação, binariamente estruturada em termos de greve ou não greve. Em suma, a lógica Arena/MDB ou, mais precisamente, o binarismo do Senado Romano, onde nunca houve nada semelhante a uma democracia, era a escolha procedimental daqueles que queriam calar as vozes de quem é autônomo em relação ao Governo ou às burocracias sindicais. Por estreita margem, inferior a 30 votos, venceu a democracia, assim entendida como livre troca de ideias e opiniões entre pessoas que se reconhecem como mutuamente racionais e iguais.

A segunda votação foi a prova empírica de que a democracia se forja na interlocução e de que a censura da pluralidade de entendimentos é o cemitério da legitimidade dos processos decisórios. Já assegurada a ampla participação dos presentes, não apenas por meio do mecânico levantar de braços pressuposto no voto, mas mediante a tão humana prática do uso da linguagem como instrumento para a interação com o outro, decidiu-se sobre a continuidade da greve. Após a apresentação de argumentos, dados e informações, inúmeros professores, a princípio contrários ao movimento paredista, mudaram de entendimento e, assim, alcançou-se ampla maioria, de 379 votos contra 267, em favor do prosseguimento das lutas reivindicatórias.

A terceira votação demonstrou de que lado está a razoabilidade e a ponderação, concedendo-se mandato para que o Comando de Greve apresente contra-proposta ao absurdo "acordo" firmado entre os braços ministerial e sindical de uma única e integral parte, o Governo. Sim, disseram os docentes, estamos dispostos a abdicarmos de parte das nossas reivindicações, queremos negociar e, para tanto, sabemos que o único meio efetivo é a continuidade da greve, uma vez que jamais fomos respeitados pelo Poder Executivo em contexto diferente.

Não é fácil lutar contra o Governo, a Andifes, o Proifes, a Adufg e seus mais recentes aliados, as chefias de algumas unidades, com quem, pasme-se, a entidade sindical tem contado para recrutar pessoas para as suas esvaziadas reuniões, em que se ignoram as prestigiadas, democráticas e amplas assembleias. Mas somos a maioria e, hoje, venceu o livre debate, venceu a democracia e, sobretudo, venceu a autonomia dos docentes, cujo destino não é definido por aparatos burocráticos que não falam em nosso nome. É importante que todo o Brasil saiba: o cartório Proifes celebrou um acordo nulo juridicamente e ilegítimo politicamente, uma vez que se fundamenta em supostas “15 reivindicações” que jamais foram submetidas à aprovação junto às bases dos sindicatos filiados a essa federação, como exige o artigo 4o da Lei de Greve. Aqui na UFG, aliás, o cartório que diz falar em nosso nome foi expressamente desautorizado a nos representar em inúmeras ocasiões.

Outra bela lição da assembleia desta tarde nos foi ministrada pelos estudantes. Foi engrandecedor e pedagógico ver, minutos após a fala de um professor que defendia o fim sumário da greve - sem debates ou concessão do direito de voz aos presentes - em nome do superior interesse dos "nossos prejudicados alunos", escutar a lúcida exposição de um representante do movimento estudantil, a lembrar que também os discentes estão em greve e que, em nome deles, falam as respectivas representações, antes de autoritários professores, que acreditam ser a voz de uma juventude independente e firme, de quem jamais receberiam mandato.

Amanhã, seguimos para um protesto em Brasília.

Queremos negociar. Temos contraproposta e muita sensatez.

A greve é forte! A luta é agora.

Francisco Mata Machado Tavares (Franck) é professor da FCS/UFG

7 comentários:

  1. Nossos "300" da UFG nos são motivo de orgulho na luta.

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    1. Prezado Prof. Frank,

      Ocorre que não somos representantes do Governo nem tão pouco somos autoritários. Autoritarismo é tentar PROIBIR a adufg de consultar seus filiados como vocês tentaram. Essa colocação é no mínimo desrespeitosa com seus colegas de profissão.

      Muitos professores, como eu, não tem o mínimo desejo de se submeter a assembleias com horas de discursos repetitivos antes da votação. Isso sem contar o assédio moral praticado pelos participantes, aplicando vaias e agressões verbais. Na última assembléia, vi uma professora do CLG gritanto com um senhor que votava contra a greve, classificando-o de "BURRO", e ao meu lado um professor me mandou "chupar" após o resultado da votação. E esse tipo de democracia que defende? Democracia é consultar a todos sem privá-los da liberdade de expressão e não esse circo que chamam de "assembléia".

      Prof. Anderson Soares
      Instituto de Informática

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    2. A única professora que vi falando qualquer coisa foi a Cleiry e ela só repetiu ao professor Geci que não era "perca" e sim "perda"... Ao que lembro ele a agradeceu e diante disso ela disse: "não fui eu que corrigi, foi alguém que disse e eu só reforcei por estar mais perto"... E isso não é chamar alguém de burro, é? Afinal era uma ajuda. E não uma ofensa.

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  2. Prezado Professor Anderson Soares,

    Muito obrigado por seu comentário. Fiquei de tal maneira feliz com o debate que iniciaste, que decidi redigir uma resposta mais elaborada, em meu blog, onde publico o seu texto, seguido das minhas observações. O conteúdo está no seguinte link:

    www.palavrasocialista.zip.net.

    Um sincero e fraterno abraço,

    Franck

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    1. Caro professor Franck Tavares... achei difícil ler o link acima, deve ser a míopia... peço licença para publicar aqui mesmo, de uma outra maneira. Vou dividir e postar, tudo que está no link: www.palavrasocialista.zip.net.


      Prezado Professor Anderson Soares,
      Antes de tudo, expresso minha sincera gratidão por seu honesto e respeitoso comentário. Estou certo de que, inobstante as nossas divergências, temos muito a aprender e a nos aprimorarmos reciprocamente por meio desse debate.
      Primeiramente, quanto à caracterização do Proifes como um aparato governista, esclareço que se trata de mais do que uma opinião ou avaliação subjetiva, mas de um fato. Os dois links a seguir, cuja atenta leitura o recomendo, comprovam documentalmente a minha alegação. Esse link atesta que o Sr. Gil Vicente, ex-Presidente e principal figura pública dessa federação, recebeu recursos da parte ex adversus em suas negociações sindicais para “estudar” o objeto dessas contendas, caso que, aliás, está sob investigação no âmbito do Ministério Público Federal:http://www.portaltransparencia.gov.br/PortalComprasDiretasFavorecidosDetalhe.asp?TipoPesquisa=2&Ano=2009&ValorTipoPesquisa=4638681441171&Valor&textoPesquisa=gil+vicente&idFavorecido=11324190&NomeFavorecido=GIL+VICENTE+REIS+DE+FIGUEIREDO&valorFavorecido=2479455&codigoED=20&nomeED=Outras+Despesas+Correntes-Aux%EDlio+Financeiro+a+Pesquisadores&valorED=2479455&codigoGD=3&nomeGD=Outras+Despesas+Correntes&codigoUG=154049&nomeUG=FUNDACAO+UNIVERSIDADE+FEDERAL+DE+SAO+CARLOS&valorUG=2479455. Pessoalmente, não considero esse fato ilegal, mas o entendo como profundamente ilegítimo.

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    2. continuação: parte II

      Já esse link comprova a partidarização do Proifes e dos respectivos sindicatos filiados, com expressa referência à Adufg:http://acertodecontas.blog.br/educacao/documento-interno-mostra-que-pcdob-tenta-montar-sindicato-pelego-de-professores/
      Quanto aos atos nada civilizados e absurdos atos de que foste vítima em assembleias sindicais, tenha minha plena solidariedade e co-indignação. Estou certo de que também és solidário às vaias, insultos e ofensas que, pessoalmente, tenho, outrossim, sofrido nestes tempos de greve. Permita-me, todavia, uma sutil, mas relevante, observação de ordem conceitual: esses reprováveis episódios não se enquadram no conceito de “assédio moral”, o qual, juridicamente, pressupõe um liame hierárquico entre ofensor e ofendido, tal como ocorre, por exemplo, com a chefia que sugere ou constrange docentes a abandonarem o movimento grevista.
      Sabemos, meu caro, que a democracia pressupõe conflitos e momentos em que nem todos operam de maneira civilizada e respeitosa. Sabemos que esses dissabores já respaldaram a tese de inúmeros segmentos, segundo a qual essa forma decisória se reduz, nas suas palavras, a “um circo”. O regime democrático, reconhecidamente, não se propõe a eliminar os conflitos – o que é próprio de modelos autoritários, como o soviético ou o fascista – mas apenas a discipliná-los e reconhecê-los. Desde a Grécia Antiga até o liberalismo democrático e suas variantes entendidas como "minimalistas", entretanto, há um acordo no âmbito da teoria democrática quanto à constatação de que o voto é a consequência e o resultado de um problema (tempo, escala e espaço limitados), antes de uma virtude em si. Veja-se que a própria democracia parlamentar não conta com mandatos imperativos nas nações liberal-democráticas em respeito ao "parabolare", do Latim, que ocorre nas Casas Legislativas. Em suma, o que legitima decisões democráticas não é o simples apertar de um botão consubstanciado no voto, mas o processo decisório (campanhas eleitorais, debates, trocas de ideias, acordos entre partidos, barganhas, construção de propostas que tentam compor interesses previamente inarredáveis, etc.). No nosso caso, as assembleias permitem a circulação de informações ou argumentos mediante réplicas e refutações, de modo, por exemplo, a superar-se a pobreza conceitual e política do "sim" ou "não" à oferta do Governo.

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    3. Parte III e finalização:


      É por isso que a lei exige assembleias para definir o que chama de "reivindicações da categoria" e a própria ocorrência das greves, ciosa de que, de outro modo, as próprias opções das votações seriam de titularidade de uma pequena burocracia sindical ou patronal. Votações eletrônicas estruturadas segundo questões binárias são, além de infensas ao devido accountability sob o aspecto técnico-computacional, alheias a qualquer processo de interlocução necessário à democracia, em suas plúrimas e rivais acepções, dos Gregos a J. Schumpeter. Fazem lembrar a lógica do "sim" ou "não" própria ao Senado Romano que, até onde estudei, nunca foi taxomicamente enquadrado como espécie do gênero democracia. Realmente, as ásperas discussões em parlamentos, as chamadas “baixarias” de campanhas eleitorais e as reprováveis vaias das nossas assembleias só estão ausentes nas ditaduras. Posso provar o que digo com evidências históricas. É um preço caro, mas estou disposto a pagá-lo em nome da democracia. O contrário, sabemos, se chama autoritarismo.
      Reitero que fiquei contente com a sua mensagem e que estou sempre disposto a ser convencido por suas teses e entendimentos. Expresso, ademais, o mais profundo respeito a você, cuja honestidade e interesse em debater, diferentemente do que ocorre com o Proifes e a ADUFG, estão comprovados no tom amistoso e elegante do seu comentário. Tenha, para sempre, a minha admiração e o meu respeito.
      Um forte e fraterno abraço docente,
      Franck


      Aos que desejarem a origem da resposta (ou mesmo conferir),eis o link fonte: www.palavrasocialista.zip.net.

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